O Homem desde a sua
existência é obrigado a conviver com a moral, e é influenciado a
refletir eticamente sobre o que é certo e errado ― dependendo do
ponto de vista de quem o orienta ―, até o dia em que possa assumir
os seus atos perante a sociedade, lutando para manter o seu moral
elevado para seguir a sua caminhada em harmonia com o seu meio.
Mesmo após a maior
idade, na maioria das vezes, não temos noção do que é moralmente
e eticamente correto. Desejamos coisas impossíveis, falamos
indevidamente, ouvimos, sentimos, porém a maior curiosidade está
no que as pessoas pensam, comentam e acham de nós. Qual impressão
passamos? Que tom tem essa imagem? O melhor é que sejam apenas
coisas boas, mas não é bem assim.
As pessoas nos veem
como as enxergamos: camaleões ― furta-cor, mudam a sua coloração
de acordo com o ambiente. Sempre ouvimos esses comentários: “Você
ainda não me viu com raiva!”; “Se eu pego você...”; “Se eu
pudesse...”. Ainda bem que mudamos também de opinião em relação
às pessoas e a alguns temas a partir do momento em que os conhecemos
melhor. Pode ser positivamente, ou não.
Não temos uma vida
constante; há momentos de seriedade, de descontração, raiva,
tristeza, de “sacanagem” ― em todos os sentidos ―, e o que
desejamos é que nos entendam e respeitem os nossos sentimentos,
enxerguem apenas coisas boas a nosso respeito. Se não somos assim,
por que devemos exigir do próximo? Egoísmo, vergonha, instinto, ou
um pouco de cada? Tudo isso muda quando nos lembramos do mistério da
partida.
A morte é um fenômeno
natural que tem trazido muitas discussões, desde a religião até a
ciência. A pós-morte tem inúmeras hipóteses, mas nenhuma
concreta. A resposta mais confortável é a sagrada, dependendo da fé
individual. O mais temido da morte é o medo do inferno, todos querem
o céu.
Combinei com alguns
amigos para espalharem a notícia de que eu havia “morrido”. Uma
surpresa para todos: “Mas, como assim?! Ele estava tão bem!”;
“Ele era uma pessoa tão boa!”.
Após o primeiro
choque, a pergunta: “Onde será o velório?”. Em seguida,
momentos de reflexão... O sentimento de cada pessoa em relação ao
“morto” é do tamanho do que representa. Algumas choram,
principalmente os familiares e os amigos mais íntimos, outras
continuam trabalhando normalmente. Simplesmente pensam: “A vida
continua”.
Durante o velório as
pessoas vão chegando aos poucos. Falam com os meus familiares, olham
para o caixão lacrado... Em silêncio, lembram-se do que eu fazia,
falava, os momentos bons... Ouço uma voz: “Deus, por que o levou
tão cedo?”. Penso: a vida não vale nada; para que tanta luta se
este é o fim. Alguns fazem uma oração em silêncio para eu
descansar em paz e Deus confortar a minha família.
No pátio e na sala do
velório os conhecidos ficam em grupos. Vem a descontração: começam
a contar piadas... São risos e risos. Outros contam casos engraçados
a meu respeito ― sempre coisas boas.
Durante o sepultamento
há uma grande tristeza... O pior momento, mas o mais
importante, é que ninguém mais fala mal de mim, os meus pecados
ficam a sete palmos do chão, virarão pó com o meu corpo.
Vem a próxima
pergunta: “Onde será a missa de sétimo dia?”. Percebem um aviso
fixado, com a data, o horário e o local. Enquanto aguardam o dia,
voltam ao cotidiano.
Os dias passam...
Nesse período sou sempre lembrado. Logo começam a procurar os meus
objetos particulares: escritos, álbuns de fotografia, filmes de
aniversários, casamento, músicas que eu gostava... Acham tudo
maravilhoso. Invadem a minha privacidade protegida durante toda a
minha vida. Mesmo aparecendo alguns “podres”, são voláteis.
Dúvidas, com quem
ficarão os meus bens? Algumas coisas ficam decididas: a pensão
ficará para a viúva, as minhas roupas vão para um brechó.
Todavia, aparece aquele parente pedindo para guardar de lembrança um
objeto qualquer ― se possível de valor. Aí começam as brigas.
Vem o pior, os
sarcásticos cobiçadores começam a ficar de olho na minha mulher ―
que dureza. Mulher jovem... Comentam aquela frase popular: “Viúva
é que nem lenha verde; chora, mas pega fogo”. Nesta hora percebo
que pimenta arde, principalmente em “lugar sensível”.
Missa de sétimo dia,
o padre faz o sermão, e todos continuam falando bem de mim. Muitos
choram, procuram uma desculpa para a morte. Comentam que é o destino
de todos, é a única certeza que temos: vamos nos encontrar ― mas,
que esse encontro demore bastante tempo, se possível, nunca
aconteça, que possam ser imortais.
A vida volta ao
normal. Vão acostumando com a minha ausência. Aos poucos vão
deixando de falar no meu nome, só os mais próximos lembram e ouvem
comentários do tipo: “Parem de chorar para que eu ele descanse em
paz!”. Outras sonham comigo, tentam decifrar e fazem muitos
elogios.
Passado alguns dias,
notei que “morri e virei santo!”. Então, resolvi voltar com as
minhas boas e más qualidades. Os erros fazem parte da minha
evolução, são formas de tentar chegar à perfeição.
Percebo como é linda
a minha família, quantos amigos maravilhosos eu tenho ― não fazia
ideia do quanto sou amado. Eu que ficava preocupado com os meus
defeitos... Descobri nas nuances da “morte”: o que fica são as
nossas boas ações; por isso, devo continuar a praticá-las enquanto
vida eu tiver, mesmo correndo o risco de cometer erros.
Renato Luiz de Oliveira Ferreira