domingo, 27 de novembro de 2011

O pior cego é aquele que não quer enxergar

O trabalho escrito pelo filósofo Platão, com o tema: “O Mito da Caverna”, conhecido também pelo nome de “Alegoria da Caverna”,inserido na obra “A República”, mostra exemplos de como o Homem pode se libertar da condição de escuridão, à qual o torna refém de si, através da luz da verdade. Esse trabalho foi inspirado em Sócrates, morto por expressar seu pensamento, mostrando um mundo de maneira diferente à imposta aos povos de sua época.
O principal objetivo de Sócrates era apenas de mostrar uma forma de superação da ignorância; uma passagem gradativa do senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o racional, sistemático e organizado, buscando as respostas para as ações humanas providenciais para a existência do universo, tal qual expôs o contemporâneo José Saramago no seu livro: “Ensaio sobre a cegueira”.
A temática da cegueira é retratada pela literatura de forma metafórica ― mesmo quando se trata de um cego verdadeiramente. Mostra aqueles que “veem”, mas não enxergam.
Saramago mostra a cegueira como uma epidemia, à medida que as personagens vão cegando (uma a uma). O que “veem” não são as trevas, mas uma brancura infinita. Uma virtualização sobre a falta de visão do ser humano diante da realidade que o cerca. Isso não é mais um retrato em branco e preto, e sim, colorido, do mundo moderno.
A sociedade olha, mas não enxerga o óbvio, acostumou-se a conviver com a miséria, a violência, o preconceito, a falta de amor ao próximo, a ser enganada pelo jogo político, pelos profetas mercenários, pelo sistema econômico, pela busca desenfreada de bens materiais inúteis para o seu crescimento incorpóreo. A ética é deixada de lado em nome do prazer e da ambição, mesmo que tenha de “engolir” o próximo, conforme cita Augusto dos Anjos no seu poema “Versos Íntimos”: “O Homem, que, nesta terra miserável, mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera”.
Galileu Galilei mostrou através da ciência, a possibilidade de enxergar além do tempo. Essas observações ocasionaram a quebra do paradigma geocêntrico e uma mudança radical de visão do mundo vigente até então. Tal fato trouxe ao pensamento científico a ideia de que para gerar conhecimento é preciso observar, experimentar, calcular, raciocinar.
As adversidades do mundo têm de ser vistas de outras formas para a diminuição da desigualdade entre os povos. [...] Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas).
Enxergar também é sentir, ouvir, falar, cheirar, tatear... Com a junção dos sentidos será possível uma visão espacial do mundo e do próximo ― do quântico ao mais infinito. Lembrando sempre de seguir em frente para descobrir novos horizontes, e utilizar a logosofia1 para a solução dos problemas sociais.
Portanto, o Homem moderno tem de aguçar a sua curiosidade sensorial e entender de que não é possível viver só. Um ótimo exemplo é a citação de Mario Sergio Cortella, no seu livro: “Qual é a tua obra?”, da frase do ex-presidente da IBM para a Itália, Luciano de Crescenzo: “Somos todos anjos de uma asa só. Só podemos voar abraçados uns aos outros”.

Renato Luiz de Oliveira Ferreira
1 Doutrina ético-filosófica fundada pelo pensador argentino Gonzáles Pecotche (1901-1963), e que tem por objeto ensinar o homem a chegar à autotransformação mediante um processo de evolução consciente, libertando assim o pensamento das influências sugestivas.

Referências: 

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias, 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1971.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2003.
CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra?. São Paulo: Editora Vozes, 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2º Edição, Nova Fronteira, 1986.
O mito da caverna. Wikipedia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mito_da_caverna>, acesso em: 23/11/2010.
Os quatro séculos da ciência moderna. Disponível em: <http://cientecno.com>, acesso em: 23/11/2010.
PLATÃO. A República. Trad. de Albertino Pinheiro. 6ª Ed. São Paulo: Atena Editora, 1956, Livro VII.
POKULAT, Luciane Figueiredo. Um breve olhar sobre a cegueira sob uma ótica filosófico-literária. URI - Universidade Regional Integrada. 2008.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2001.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Entre a liberdade e o cárcere

As Revoluções Liberais, o Marxismo, o Anarquismo, até o sonho de voar, levaram o Homem em busca da liberdade em todos os aspectos da vida. As tentativas de imunidade fizeram gerações morrerem em busca do direito de escolha. Muita coisa mudou, mas o Homem ainda continua “preso” às vaidades que o torna refém de si mesmo.
O filósofo, escritor, músico e político, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), no seu famoso discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade, mostra como o Homem passa de um ser bruto a um lapidado, na maioria das vezes tendo de suportar a imbecilidade humana que provoca a desigualdade. Rosseau ensinou ao mundo os caminhos da liberdade.
A luta de parte da sociedade contemporânea é fazer com que o Homem liberte-se das amarras insensíveis que o aprisiona, tendo como a principal delas a intolerância ― incapacidade de enxergar, reconhecer e respeitar as diferenças, seja de crença, opção ou opinião. Há a necessidade da conscientização de todos, de respeitar os pontos de vista opostos. O preconceito enraizado inibe o crescimento do Homem e furta a sua liberdade. Um exemplo mais recente é a homofobia. A incapacidade de aceitar a opção sexual de um indivíduo leva grupos insensíveis a agressão física e verbal. Hoje está cada vez mais na cara não apenas o racismo, mas também, o ódio e a violência contra o menos favorecido, a mulher, a criança, o artista, o homossexual, o idoso, partindo até para uma questão de preconceito regional.
Ocorreu na cidade de Alagoinhas, na Peça “Eróticos”, um trabalho contemporâneo que procurou trazer ideias e visões modernas, tal qual à da poetisa, dramaturga e ficcionista Hilda Hilst (1930 - 2004) que reinventou o erotismo e a arte poética. Mise-en-scène1: houve um beijo entre as personagens, ― um “escândalo” para todos, mulher beijando mulher. Resumindo, uma das atrizes foi hostilizada nas ruas da cidade. Esqueceram que o artista não tem sexo. A falta de visão do mundo moderno prevaleceu, a atriz desistiu da peça ― triste cena. “Foge por um instante do Homem irado, mas foge sempre do hipócrita” (Confúcio).
A arte foi e sempre será um dos meios mais nobres de conscientização para o respeito às opções de cada indivíduo. A educação por si só não basta, é preciso sair também da cegueira do ego. Sigmund Freud define o ego sob o ponto de vista físico, como a energia defensora da personalidade, fazendo com que a consciência fique livre de ameaças inconscientes. É preciso democracia em todos os aspectos, com respeito às diferenças, para caso não haja uma atração entre os opostos, pelo menos exista deferência.
Portanto, o Homem moderno precisa fazer um cotidiano mutável; é preciso descobrir novos horizontes, entender o novo, usar a percepção sensorial, organizando-a e interpretando-a para uma melhor convivência no seu meio. Usar o conceito de gnosiologia2, procurando orientação e conhecimento do mundo tal como ele é, sem distorção da realidade. Conforme escreveu a escritora Evelyn Beatrice Hall,porém, atribuindo a frase a François-Marie Arouet, conhecido pelo pseudônimo de Voltaire: “Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la”. Um ser para ser livre tem de ter a alma nua, desprendida de todos os laços que o impeçam de voar.

Renato Luiz de Oliveira Ferreira
1 "Movimentação em cena”, em francês. Teve sua origem no teatro clássico.
2 Ramo da filosofia que trata da teoria do conhecimento e a sua validade em função do ente conhecedor, buscando a origem, a natureza, o valor, as suas formas, possibilidades e limites.