São nove horas da manhã.
Aristides está no escritório da CTC (Companhia do Trabalho Constante), com
muitos afazeres: ligar para fornecedores,
enviar e receber mensagens via computador, verificar os pedidos dos clientes, o
desempenho de sua equipe, dar informações aos superiores e ainda ter bom humor
para superar o estresse. Apesar de árduo, o trabalho é a sua vida.
Em meio a tantas tarefas
percebe a vibração do seu celular conectado ao computador, via cabo USB, para recarregar. A ligação é desconhecida.
― Alô! ― atende de forma a não
perder muito tempo.
― Oi, meu amor, meu gostoso,
tesão da minha vida...
― Quem fala?
― Não está reconhecendo a
minha voz? Precisa relaxar...
― Preciso saber quem é.
Ocorre um silêncio...
― Não é Alencar?!
Aristides começa a rir do
outro lado da linha. Esquece por alguns instantes dos afazeres, finge ser outra
pessoa e emposta a voz.
― Sou eu, meu amor, Alencar...
― Levei o maior susto!
― Apavorei?...
― Pensei ter ligado para o
número errado. Gelei de medo.
― Está com saudade?
― Estou louca de saudade, uma
semana parece uma eternidade. Vamos sair hoje, aproveite o horário do seu
almoço. Estou louca pra beijar, fazer amor...
― Não tem medo?
― Medo de quê? O meu marido
está trabalhando. Na verdade o cara só pensa nos clientes, na empresa...
Esqueceu da mulher e dos filhos. Há tempo não me olha, nem me procura. Parei de
reclamar. Estou carente, mas ainda bem tem quem me queira.
― Qual local nós vamos?
― No lugarzinho de sempre.
Esqueceu? Gosto de lá porque não há risco de sermos reconhecidos. Sou prevenida.
Quando falamos ao telefone modifico o tom da voz, falo de forma sensual, bem
diferente de quando converso com o meu marido. Vai que um dia ligue pra ele
pensando ser pra você. O nome dos dois começa com a letra a.
― Como é mesmo o nome do seu
marido? Esqueci...
― O nome dele é Aristides. Trabalha
na CTC. Aquele só merece o que o boi tem. A vida não é só trabalho. Todo homem
casado tem de fazer manutenção, senão a mulher terceiriza.
Agora pare de fazer pergunta
chata. Vou lhe esperar ao meio dia. Ouviu, Alencar?... Meu gostoso, amor da
minha vida. Hoje vou fazer um escândalo naquela cama redonda e, pode me chamar
daquele jeito, eu gosto. Tchau, preciso ir, estou ligando de um orelhão.
― Cleusa!
― Alencar, está me ouvindo? O
que aconteceu?
― Ligou errado... Foi um mero
engano.
― Não é Alencar?! Meu Deus...
A ligação cai... Aristides
fica em silêncio por alguns instantes, de cabeça baixa. Pega o celular com as
mãos trêmulas e, em vez de ligar para sua mulher, envia-lhe uma mensagem:
Amor,
vou pedir férias hoje ao meu chefe para fazermos aquela tão sonhada viagem com as
crianças. Já havia até esquecido, faz tempo não tiro férias.
Outra
coisa, vamos jantar fora hoje? Depois poderemos ir a um cinema ou a um teatro...
e em seguida, daremos uma boa relaxada numa banheira.
Um
beijo do seu amado Aristides.
Renato
Luiz de Oliveira Ferreira