quarta-feira, 23 de junho de 2021

DESENGANO

 

Tique-taque, tique-taque, tique-taque...

― A hora não passa...

― Ansiosa?

― Não. Apenas preocupada...

Trim, trim, trim, trim, trim...

― O telefone... não vai atender?

― Não tenho coragem...

― Eu atendo.

― Alô... Sim... Ah! Ah! Ah!

― O que houve? Ele está bem?

― Sim... Está vindo.

― Oh, Deus! Que felicidade!

― Vem voando... Criou asas...

― De avião?!

― Não. Com a Maria fumaça...

― Piuí... piuí... piuí... piuí... piuí... 

― Não acredito! Vou para a estação!

― Volte aqui! Cuidado! Meu Deus...

Blem, blem, blem, blem, blem...

― Como eu fui covarde...

Blem, blem, blem, blem, blem...

― Os sinos da igreja não param...

Blem, blem, blem, blem, blem...

― Deus, me perdoe... Não tive coragem.

Blem, blem, blem, blem, blem...

― Não tive coragem de dizer a verdade...

Blem, blem, blem, blem, blem...

― Se não encontrou ele na estação...

Blem, blem, blem, blem, blem...

― Pelo menos estão juntos no céu.

Blem, blem, blem, blem, blem...


Renato Luiz de Oliveira Ferreira


terça-feira, 11 de maio de 2021

SAGRADO CANTO DA RECONSTRUÇÃO

Não importa se hoje há raios de sol ou se vai chover

Seja manhã, tarde, noite, ou qual bela estação a fruir

Quero um sentido pra vida além do ter e o vão prazer

Melhor ser, transcender, voar livre, reconstruir, devir


Pousar no alto da montanha, ver o novo, o anacoluto

Refletir as questões metafísicas e fugir do vento leste,

Praticar o mais belo verbo ― amar ― com o Absoluto

Sentir a suavidade da brisa oeste; minha alma veste

 

Pulsar o místico sopro do bem e soar a minha canção

Buscar o maitri, karuna, mudita, upeksha e praxidade

Confluir a alma e a tal felicidade, pureza na meditação

Encontrar com o outro, o Outro, através da alteridade

 

Sentir a deidade, o presente da vida, o Self, aqui e lá

Ter fé, entropatia, o dasein, e a intuição do beija-flor

Sublimar o desejo do sagrado canto à humanidade já

Para um mundo pleno de luz, igualdade, paz e amor

 

                                                Renato Luiz de Oliveira Ferreira

 

 

sexta-feira, 30 de abril de 2021

O MENINO QUE FALAVA COM PEDRAS

― Vovô virou pedra...

― Não... morreu.

― Conversei com ele hoje na beira do rio.

― Conversou nada, moleque.

― Disse que vai ficar ali. Voltou de onde veio.

― Virou pó, besta.

― Pedra, pó, terra... não tem diferença.

― Sabe de nada...

― A diferença é o tamanho.

― Tá querendo me ensinar, moleque?

― Não... o vovô quem me disse.

― Disse nada! Ele está no céu.

― Eu sei...

― Acabou de falar que está no rio.

― Sim. Ele disse que ali é o céu...


Renato Luiz de Oliveira Ferreira

terça-feira, 20 de abril de 2021

FIOS DE ESPERANÇA

A alvorada invade lentamente minha alma

E os raios colorem as flores do meu jardim

O sabiá-laranjeira ecoa sua melodia calma

E o desejo de Gonçalves Dias vive em mim

Brota a bela-manhã lilás, branca e amarela

E a vida tece a esperança de minha janela...

 

Renato Luiz de Oliveira Ferreira

 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

ENCONTRO DE ARADOS

― Olá, tudo bem?

― Sim... Quer o quê?

― Uma esmola...

― Esmola?!

― Estou com fome. Preciso só de um...

― Por que não arruma um emprego?

― Conhece alguém que faria isso por mim?

― Não. Nesta condição é difícil.

― É o que ouço por aí.

― Não devemos dar o peixe, mas...

― Com fome é difícil aprender, e o lago está seco...

― Isso não é problema meu.

― Eu sei. O problema é nosso...

― Nosso?! Por quê?

― Porque preciso saciar a fome, e você...

― Entendi... Por isso que você está assim.

― Sim. Somos vítimas do capitalismo.

― Por que somos vítimas?

― Vítimas em polos opostos...

― Isso é papo de vagabundo.

― Não vivo de especulação financeira.

― Mas eles não estão na miséria.

― Sim, mas provocam a pobreza.

― Não havia pensado nisso...

― Então... Estamos no mesmo barco...

― Não. Tenho emprego, casa e comida.

― Por enquanto...

― Hum... É esperto. Como chegou nesta situação?

― Hoje estou assim, mas ontem era igual a você.

― Jogou as oportunidades fora?

― Não. Apenas o vento mudou de direção.

― Senti até um frio na barriga agora.

― Enquanto for só frio tudo bem. O pior é sentir um vazio...

― Entendi... Vou ajudá-lo! Sabe por quê?

― Porque tem piedade...

― Não... É que até conhecê-lo eu era mais pobre que você...

― Isso não! Tem quase tudo e ainda irá matar minha fome.

― Porém, antes você alimentou o meu paupérrimo espírito.

― Eu apenas abri o coração...

― Posso lhe dar um abraço?

― Mas, neste estado?

― Sim... Somos iguais e estamos na mesma.

― [...]

― Então, podemos começar a mudar o mundo.

― Ótima ideia! Antes vamos saciar a fome para seguirmos em frente...


Renato Luiz de Oliveira Ferreira