segunda-feira, 17 de março de 2014

O preconceito contra a pessoa de melanina acentuada

Recentemente eu estava com a minha família num aconchegante Buffet no bairro de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, para uma cerimônia de casamento. Aquilo era algo novo pra mim, pois nunca havia assistido a uma cerimônia evangélica. Confesso que foi bonita e emocionante: a música, a entrada dos padrinhos, os noivos, a mensagem do orador (pastor), a atenção dada pelos funcionários da casa, a forma como fomos servidos, enfim, perfeita.
Aproximadamente às 23h30, resolvemos ir embora, mas a festa continuou de forma animada. Na saída, ganhamos o brinde dos noivos e fomos para a entrada principal. Notamos que estava chovendo. A minha família ficou aguardando eu ir buscar o carro a 50 metros do local. Como exceção, a minha filha quis ir comigo até o veículo.
Em seguida, um senhor que estava na festa conosco também tomou a mesma decisão, pediu para a sua família aguardar na porta do Buffet e foi até o local que estava o seu veículo. Por coincidência, o meu carro estava à frente do dele. Caminhamos juntos até próximo dos veículos: o meu, um Ford Fiesta popular, o da pessoa ao meu lado, um importado muito bonito ― não sei a marca, nem o nome.
Para a minha indignação, no momento em que abríamos as portas dos nossos carros para adentrarmos, surgiu uma viatura policial e abordou o senhor que estava ao meu lado. Ouvi muito gritos para que ele levantasse as mãos, ficasse de costas etc.
Passado o susto inicial, os policiais revistaram o veículo, pediram os documentos... Notaram que era uma pessoa de bem, não estava roubando aquele belo carro.
Fiquei decepcionado. Comentei com a minha filha, mas ao mesmo tempo indagando a mim mesmo: por que a abordagem foi feita apenas àquela pessoa? Eu também estava no mesmo local, por que não fui abordado? Foi por causa da minha pele branca? Qual foi o critério utilizado pelos policiais? Eu estava bem vestido, o homem que estava ao meu lado também, inclusive bem melhor do que eu. Será se foi o seu carro? Não! Infelizmente, não!
Depois fiquei sabendo que o mesmo era um pastor evangélico, convidado para o casamento. Só que na verdade, o homem só foi abordado porque era negro, não havia outro motivo de naquele momento ele ser revistado e eu não. Foi uma atitude preconceituosa sim, eu vi e senti. Fiquei envergonhado de presenciar que parte da sociedade ainda coloca a cor da pele como estereótipo marginal.
Desapontado, ele foi embora com a sua família. Talvez “entenda” melhor do que eu este ato corriqueiro, pois sentiu literalmente na pele o preconceito.
Segundo o dicionário Caldas Aulete, a definição de preconceito é: “a opinião ou ideia preconcebida sobre algo ou alguém, sem conhecimento ou reflexão; PREJULGAMENTO; uma atitude genérica de discriminação ou rejeição de pessoas, grupos, ideias etc., em relação a sexo, raça, nacionalidade, religião etc. INTOLERÂNCIA; ideia ou juízo fundado em crendices e superstições; CISMA”. Disponível em: <http://aulete.uol.com.br/preconceito#ixzz2wE11nGBS>. Acesso em 16 de março de 2014.
Segundo o jornal O GLOBO, de 12/8/2013: uma juíza federal dos EUA decidiu que, a controversa política de “stop-and-frisk, que autoriza a Polícia de Nova York a revistar “qualquer pessoa”, mesmo sem suspeitas aparentes, viola a Constituição porque é dirigida principalmente a negros e latinos.
A mesma reportagem diz: “Com os números mostrando que 87% das 533.042 pessoas paradas para averiguação no ano passado eram negras ou de origem hispânica, a juíza Shira Scheindlin viu na prática violações da Constituição e “listagem racial indireta” de milhares de cidadãos nova-iorquinos. A maioria dos suspeitos é de homens jovens e inocentes.”.
O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, prometeu apelar. Segundo ele, a prática do “pare e reviste” deixou a cidade mais segura nos últimos anos e impediu a circulação de armas de fogo ilegais. Segundo o prefeito: “as pessoas também têm direito de andar nas ruas sem serem mortas ou roubadas, cujo legado, segundo analistas, pode ser manchado pela decisão judicial”. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/mundo/juiza-declara-inconstitucional-pratica-de-revista-policial-em-nova-york-9481778>. Acesso em 16 de março de 2014.
O prefeito de Nova York só não explicou o porquê de revistar apenas negros e latinos, se os crimes nos EUA são praticados por diversos tipos de pessoas: sendo brancas, negras, e de todos os níveis da sociedade americana.
No Brasil não é diferente. Entendo que a abordagem é uma forma da Polícia inibir a criminalidade; mas por que é utilizada, na sua grande maioria, apenas para pretos, pobres e prostitutas?
Segundo a Constituição Federal, Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.
Veja o que diz Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do Portal Atualidades do Direito, numa entrevista a respeito do ‘Perfil dos presos no Brasil em 2012’, após a seguinte pergunta: Os ricos também são delinquentes? Se olharmos para as pessoas que estão recolhidas nos presídios brasileiros rapidamente chegamos à conclusão (falsa) de que não. A prisão não é um referencial confiável para se saber quem comete crime no Brasil. Ela serve de referência para se saber quem vai para a cadeia. O mensalão (que envolve o PT), a corrupção na concorrência do metrô em SP (que envolve o PSDB), um milhão de outros casos criminais (que envolvem todos os demais partidos políticos, os políticos, grande parcela dos empresários etc.), as lavagens de dinheiro (que envolvem praticamente todos os bancos do planeta), os governos e ministérios (que envolvem as classes dominantes), o banco do Vaticano, sim, esses casos nos revelam que os ricos também são criminosos, gerando danos incomensuráveis para uma multidão de vítimas.
Outro comentário de Flavio Gomes a respeito de quem são os presos no Brasil: Em 2012, o sistema penitenciário brasileiro manteve o mesmo perfil de presos que nos anos anteriores. No que diz respeito à raça, cor ou etnia, os pardos eram, em 2012, maioria no sistema penitenciário com 43,7% de presença nas prisões brasileiras. Os de cor branca 35,7%, os negros 17%, a raça amarela 0,5% e os indígenas 0,2%. Outras raças e etnias apontaram 2,9% de presença. Segundo o próprio relatório do InfoPen, há um erro de cálculo nessa estática, registrando uma inconsistência de 28 mil pessoas no valor automático”. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/08/14/perfil-dos-presos-no-brasil-em-2012/>. Acesso em: 16 de março de 2014.
Em contrapartida, as estatísticas mostram a quantidade aproximada de presos em relação ao total de cada cor existente no Brasil, sendo: 0,28% de presos para uma população de 82 milhões de pardos; 0,21% para 91 milhões de brancos; 0,57% para 15 milhões de pretos. Uma demonstração de que, em relação à cor e não no total geral de brasileiros, os negros são a maioria que estão e permanecem mais tempo no sistema penitenciário; mas isso se deve à permanente história de preconceito e desigualdade. Não há provas concretas de maior prática de delitos por parte dos negros em relação aos demais, pois há muitos delinquentes burgueses vivendo uma vida normal. E além disso, em relação aos pretos, o sistema penitenciário não é um dado confiável mas sofismático. Isso também desmistifica a impressão de que os negros só são minoria no perfil de presos ― conforme índices supracitados por Luiz Flávio Gomes ― porque fazem parte de um menor número de indivíduos.
Desta forma, se existisse realmente igualdade no Brasil a quantidade de negros no sistema prisional seria menor.
Isso demonstra que, os negros na sua maioria, são marginalizados. Pessoas ainda veem a cor da pele e a condição social como características de delinquentes. Não esquecendo de que os noticiários mostram à sociedade que os maiores marginais deste país têm nível superior, colarinho branco, boa condição social etc. Por isso, não há cabimento estereotipar de forma preconceituosa uma pessoa devido à melanina acentuada1 de sua pele (negra) e o seu saldo bancário. O caráter de uma pessoa não está na cor de sua pele, mas no hábito da sua forma moral de pensar, agir e reagir perante o próximo.

Renato Luiz de Oliveira Ferreira





1O nome surgiu através de um projeto teatral organizado pelo ator Lázaro Ramos e pelo dramaturgo Aldri Anunciação, chamado de “Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada”.

Nenhum comentário: