Recentemente
eu estava com a minha família num aconchegante Buffet
no
bairro de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, para uma
cerimônia de casamento. Aquilo era algo novo pra mim, pois nunca
havia assistido a uma cerimônia evangélica. Confesso que foi bonita
e emocionante: a música, a entrada dos padrinhos, os noivos, a
mensagem do orador (pastor), a atenção dada pelos funcionários da
casa, a forma como fomos servidos, enfim, perfeita.
Aproximadamente
às 23h30, resolvemos ir embora, mas a festa continuou de forma
animada. Na saída, ganhamos o brinde dos noivos e fomos para a
entrada principal. Notamos que estava chovendo. A minha família
ficou aguardando eu ir buscar o carro a 50 metros do local. Como
exceção, a minha filha quis ir comigo até o veículo.
Em
seguida, um senhor que estava na festa conosco também tomou a mesma
decisão, pediu para a sua família aguardar na porta do Buffet
e
foi até o local que estava o seu veículo. Por coincidência, o meu
carro estava à frente do dele. Caminhamos juntos até próximo dos
veículos: o meu, um Ford Fiesta popular, o da pessoa ao meu lado, um
importado muito bonito ― não sei a marca, nem o nome.
Para
a minha indignação, no momento em que abríamos as portas dos
nossos carros para adentrarmos, surgiu uma viatura policial e abordou
o senhor que estava ao meu lado. Ouvi muito gritos para que ele
levantasse as mãos, ficasse de costas etc.
Passado
o susto inicial, os policiais revistaram o veículo, pediram os
documentos... Notaram que era uma pessoa de bem, não estava roubando
aquele belo carro.
Fiquei
decepcionado. Comentei com a minha filha, mas ao mesmo tempo
indagando a mim mesmo: por que a abordagem foi feita apenas àquela
pessoa? Eu também estava no mesmo local, por que não fui abordado?
Foi por causa da minha pele branca? Qual foi o critério utilizado
pelos policiais? Eu estava bem vestido, o homem que estava ao meu
lado também, inclusive bem melhor do que eu. Será se foi o seu
carro? Não! Infelizmente, não!
Depois
fiquei sabendo que o mesmo era um pastor evangélico, convidado para
o casamento. Só que na verdade, o homem só foi abordado porque era
negro, não havia outro motivo de naquele momento ele ser revistado e
eu não. Foi uma atitude preconceituosa sim, eu vi e senti. Fiquei
envergonhado de presenciar que parte da sociedade ainda coloca a cor
da pele como estereótipo marginal.
Desapontado,
ele foi embora com a sua família. Talvez “entenda” melhor do que
eu este ato corriqueiro, pois sentiu literalmente na pele o
preconceito.
Segundo
o dicionário Caldas Aulete, a definição de preconceito é: “a
opinião ou ideia preconcebida sobre algo ou alguém, sem
conhecimento ou reflexão; PREJULGAMENTO; uma atitude genérica de
discriminação ou rejeição de pessoas, grupos, ideias etc., em
relação a sexo, raça, nacionalidade, religião etc. INTOLERÂNCIA;
ideia ou juízo fundado em crendices e superstições; CISMA”.
Disponível
em: <http://aulete.uol.com.br/preconceito#ixzz2wE11nGBS>.
Acesso
em 16
de março de 2014.
Segundo
o jornal O GLOBO, de 12/8/2013: uma juíza federal dos EUA decidiu
que, a controversa política de “stop-and-frisk”,
que autoriza a Polícia de Nova York a revistar “qualquer pessoa”,
mesmo sem suspeitas aparentes, viola a Constituição porque é
dirigida principalmente a negros e latinos.
A
mesma reportagem diz: “Com os números mostrando que 87% das
533.042 pessoas paradas para averiguação no ano passado eram negras
ou de origem hispânica, a juíza Shira Scheindlin viu na prática
violações da Constituição e “listagem racial indireta” de
milhares de cidadãos nova-iorquinos. A maioria dos suspeitos é de
homens jovens e inocentes.”.
O
prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, prometeu apelar. Segundo
ele, a prática do “pare e reviste” deixou a cidade mais segura
nos últimos anos e impediu a circulação de armas de fogo ilegais.
Segundo o prefeito: “as pessoas também têm direito de andar nas
ruas sem serem mortas ou roubadas, cujo legado, segundo analistas,
pode ser manchado pela decisão judicial”. Disponível
em:
<http://oglobo.globo.com/mundo/juiza-declara-inconstitucional-pratica-de-revista-policial-em-nova-york-9481778>.
Acesso
em 16
de março de 2014.
O
prefeito de Nova York só não explicou o porquê de revistar apenas
negros e latinos, se os crimes nos EUA são praticados por diversos
tipos de pessoas: sendo brancas, negras, e de todos os níveis da
sociedade americana.
No
Brasil não é diferente. Entendo que a abordagem é uma forma da
Polícia inibir a criminalidade; mas por que é utilizada, na sua
grande maioria, apenas para pretos, pobres e prostitutas?
Segundo
a Constituição Federal, Art. 5º: “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade...”.
Veja
o que diz Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do Portal
Atualidades do Direito, numa entrevista a respeito do ‘Perfil dos
presos no Brasil em 2012’, após a seguinte pergunta: Os ricos
também são delinquentes? “Se
olharmos para as pessoas que estão recolhidas nos presídios
brasileiros rapidamente chegamos à conclusão (falsa) de que não. A
prisão não é um referencial confiável para se saber quem comete
crime no Brasil. Ela serve de referência para se saber quem vai para
a cadeia. O mensalão (que envolve o PT), a corrupção na
concorrência do metrô em SP (que envolve o PSDB), um milhão de
outros casos criminais (que envolvem todos os demais partidos
políticos, os políticos, grande parcela dos empresários etc.), as
lavagens de dinheiro (que envolvem praticamente todos os bancos do
planeta), os governos e ministérios (que envolvem as classes
dominantes), o banco do Vaticano, sim, esses casos nos revelam que os
ricos também são criminosos, gerando danos incomensuráveis para
uma multidão de vítimas”.
Outro
comentário de Flavio Gomes a respeito de quem são os presos no
Brasil: “Em
2012, o sistema penitenciário brasileiro manteve o mesmo perfil de
presos que nos anos anteriores. No que diz respeito à raça, cor ou
etnia, os pardos eram, em 2012, maioria no sistema penitenciário com
43,7% de presença nas prisões brasileiras. Os de cor branca 35,7%,
os negros 17%, a raça amarela 0,5% e os indígenas 0,2%. Outras
raças e etnias apontaram 2,9% de presença. Segundo o próprio
relatório do InfoPen, há um erro de cálculo nessa estática,
registrando uma inconsistência de 28 mil pessoas no valor
automático”. Disponível
em:
<http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/08/14/perfil-dos-presos-no-brasil-em-2012/>.
Acesso
em: 16 de março de 2014.
Em
contrapartida, as estatísticas mostram a quantidade aproximada de
presos em relação ao
total de cada cor existente no Brasil, sendo: 0,28%
de presos para uma população de 82 milhões de pardos; 0,21% para
91 milhões de brancos; 0,57% para 15 milhões de pretos. Uma
demonstração de que, em relação à cor e não no total geral de
brasileiros, os negros são a maioria que estão e permanecem mais
tempo no sistema penitenciário;
mas
isso se deve à permanente história de preconceito e desigualdade.
Não há provas concretas de maior prática de delitos por parte dos
negros em relação aos demais, pois há muitos delinquentes
burgueses vivendo uma vida normal. E além disso, em relação aos
pretos, o sistema penitenciário não é um dado confiável mas
sofismático. Isso também desmistifica a impressão de que os negros
só são minoria no perfil de presos
― conforme índices supracitados por Luiz Flávio Gomes ―
porque
fazem parte de um menor número de indivíduos.
Desta
forma, se existisse realmente igualdade no Brasil a quantidade de
negros no sistema prisional seria menor.
Isso
demonstra que, os negros na sua maioria, são marginalizados. Pessoas
ainda veem a cor da pele e a condição social como características
de delinquentes. Não esquecendo de que os noticiários mostram à
sociedade que os maiores marginais deste país têm nível superior,
colarinho branco, boa condição social etc. Por isso, não há
cabimento estereotipar de forma preconceituosa uma pessoa devido à
melanina acentuada1
de
sua pele (negra) e o seu saldo bancário. O caráter de uma pessoa
não está na cor de sua pele, mas no hábito da sua forma moral de
pensar, agir e reagir perante o próximo.
Renato
Luiz de Oliveira Ferreira
1O
nome surgiu através de um projeto teatral organizado pelo ator
Lázaro Ramos e pelo dramaturgo Aldri Anunciação, chamado de “Nova
Dramaturgia da Melanina Acentuada”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário