Um
dos pontos de partida na obra de Machado de Assis é a metafísica,
que trata dos problemas filosóficos em sua forma clássica, com
linhas racionais e não empíricas, que procura determinar as regras
fundamentais do pensamento, as condições, causas, princípios, e as
suas leis, dando evidência para o conhecimento do real como um todo
― transcendente ―, da humanidade. Uma adjetivação espirituosa
ou filosoficamente profunda do ser, dando uma visão do sentido de
existência do mundo, descoberta pelas luzes da razão. A palavra
metafísica teve origem numa obra de Aristóteles, composta
por quatorze livros sobre filosofia.
A
Intertextualidade
é uma referência explícita ou implícita de um texto em outro.
Machado de Assis é um especialista nesta forma de escrita na
literatura brasileira. Há situações em que de maneira imparcial,
deixa o seu texto fluir, gerando uma energia literária com a sua
epistemologia1.
Machado insere o leitor na obra, com alusão,
citação e referência, com o objetivo ousado e inovador, utilizando
a sua narrativa como crítica à sua época, exemplificando obras
anteriores, utilizando a sua forma rebuscada, escondendo a verdadeira
essência, mostrando que um texto literário é influência ou
continuação de outros textos. Isso fica claro nas referências
bibliográficas de sua obra.
A intertextualidade da literatura
europeia e da filosofia ocidental, textos sagrados, as artes
plásticas, a história geral, a cultura popular, entre outras, estão
presentes na obra machadiana. Conforme cita Celso
Lima Latini, no seu
trabalho: Organização,
particularidades e as influências literárias na produção
machadiana, Afrânio
Coutinho menciona que um
dos livros prediletos de Machado de Assis é “A Bíblia”―
principalmente o livro Eclesiastes
―, porém, também com
grande predileção por “Hamlet” de
William Shakespeare, “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes,
“Prometeu” de Ésquilo, além da influência e leitura das obras
de Pascal, Schopenhauer,
Nietzsche,
Dante Alighieri, Giacomo
Leopardi, Eça de Queirós, Almeida Garrett, Alexandre Herculano,
Thomas Hood, Heine, Charles Dickens, Henry Fielding, Laurence Sterne,
Carlyle, Ritcher, Goethe, Darwin, entre outros. Baseado nas ideias
dos grandes filósofos, pensadores e escritores, Machado cria o
imaginário social brasileiro.
O ponto de partida na formação
de sua obra, retratando o período histórico que vai do segundo
reinado à República, são os seus romances da chamada segunda fase
literária: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas
Borba”, “Dom Casmurro”, “Esaú e Jacó” e “Memorial de
Aires”. As obras nascem com o novo Estado, a Constituição
da República Federativa do Brasil,
liberdade de imprensa, organização militar das Forças Armadas ―
principalmente o Exército ―, e com uma grande campanha
abolicionista. A elite liberal brasileira nega-se
a aceitar a identidade patriótica
dos nacionalistas e governos, passa a defender que cada cidadão é
representante de si mesmo. Ainda dependente economicamente da
Inglaterra, o país bebe das artes e literatura europeia, com grande
ênfase para a mais influente da época, a literatura francesa.
Utilizando a sua semiótica2
textual, Machado de Assis publica no ano de 1881 a sua obra “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”, criando
um narrador que conta a sua vida depois de morto, mudando
radicalmente o panorama da literatura brasileira, expondo de forma
irônica os privilégios da elite brasileira da época. Descreve a
sua morte,
a cena do enterro, os delírios antes de sua morte, retorna à sua
infância, com digressão, objetivando esclarecer ou criticar o tema
em questão por parte do narrador. A narração é feita em primeira
pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se autointitula um
defunto-autor ― um morto que resolveu escrever suas memórias,
utilizando referências,
alusões e citações
de outras obras existentes.
Realizando a fusão de dois ou
mais elementos com sintagmas, estabelecendo um elo de subordinação
entre o determinante e o determinado, formando uma unidade léxica,
como no exemplo: "Queria-lhe,
é verdade; ao pé dessa criatura tão singela, filha
espúria e coxa,
feita
de amor e desprêzo,
ao pé dela sentia-me bem, e ela creio que ainda se sentia melhor ao
pé de mim”. Segundo
Luís Filipe Ribeiro, em
“Mulheres
de papel:
um
estudo do imaginário em José de Alencar e Machado de Assis”, o
sentir-se bem do jovem Brás é todo feito de uma superioridade que
vai do social ao físico, passando pelo moral. A própria construção
da frase filha
espúria e coxa denuncia
a extrema maldade do narrador. Ao atribuir dois adjetivos a um mesmo
nome, cria entre eles uma relação de equivalência, ou seja, as
qualidades espúrias
e coxa
equivalem-se
nesse sintagma, como a dizer que uma e outra decorrem da mesma causa.
Machado de
Assis impõe grande quantidade de fragmentos discursivos, rompendo a
linearidade da narrativa. As referências,
citações, alusões da
obra Memórias Póstumas
de Brás Cubas, faz um elo
entre o enredo e as obras relacionadas, sepultando o passado e
mostrando o novo para entrar de vez na atemporalidade3
com sutileza e profundidade, sendo que muitos dos problemas e
desmandos da sociedade da época ainda estão presentes no Brasil
contemporâneo, de forma ironicamente atualizada. Como exemplo da sua
atemporalidade para a sociedade moderna, existe na parte amorosa, a
célebre frase:
“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.
Essa é uma das características do estilo machadiano, explorando as
figuras de linguagem de eufemismo e ironia. Marcela é prostituta de
luxo, mas na obra não há, em nenhum momento, a caracterização
nesses termos nem que naquela relação, amor e interesse financeiro
estão intimamente ligados.
Portanto, Machado de Assis, com
maestria, faz o leitor sentir e pensar, para entender a essência do
texto com o humor irônico, que é uma de suas marcas, sempre guiada
pela sua intertextualidade, desmascarando as faces ocultas da alma
humana ― principalmente as imperfeições da classe dominante ―,
com metalinguagem4
e excelência gramatical que o levaram ao ápice da literatura
brasileira. Uma reflexão para o leitor com sensibilidade literária,
que jamais será o mesmo após ler a obra machadiana. A sua visão
filosófica será aguçada, transbordando os limites do conhecimento
humano.
Renato Luiz de
Oliveira Ferreira5
1Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas; teoria da ciência, do conhecimento.
2A arte dos sinais. Denominação utilizada, principalmente pelos autores norte-americanos, para a ciência geral do signo; semiologia, ciência geral dos signos, segundo Ferdinand Saussure, que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas de signos. Em oposição à linguística, que se restringe ao estudo dos signos linguísticos, ou seja, da linguagem, a semiologia tem por objetivo qualquer sistema de signos (imagens, gestos, vestuários, ritos, etc.).
3Relativo a atemporal, em que não há tempo; fora do domínio do tempo.
4A linguagem utilizada para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significação: todo discurso acerca de uma língua, como as definições dos dicionários, as regras gramaticais, etc.
5Possui graduação em Engenharia Mecânica com habilitação em Controle e Automação pela Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL.
Referências
bibliográficas:
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 28ª edição, São Paulo; Editora Scipione, 1994, p. 150.
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 28ª edição, São Paulo; Editora Scipione, 1994, p. 150.
CANDIDO,
Antonio. Formação da Literatura Brasileira. 7ª edição, Belo
Horizonte; Editora Itatiaia, 1993, p. 150.
COSTA,
Érika Maria Asevedo. A Intertextualidade em Memórias Póstumas de
Brás Cubas UFPB.
COUTINHO,
Afrânio. Machado de Assis na literatura brasileira. In: Machado de
Assis. Obra completa: romances. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1963,
v. 1, p. 23 – 64.
CRUZ,
Maria de Fátima Berenice da. A volubilidade da narrativa machadiana.
Conferência proferida no Fórum educacional: convivendo com as
diferenças por ocasião do centenário Machado de Assis (19/11/2008
– Riachão do Jacuípe-BA).
FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, 2º Edição, Nova Fronteira, 1986.
LATINI,
Celso Lima. Organização, particularidades e as influências
literárias na produção machadiana.
RIBEIRO,
Luís Filipe. Mulheres de papel: um estudo do imaginário em José de
Alencar e Machado de Assis. Niterói: EDUFF, 1996.
Um comentário:
Texto muito bom! Esclarecedor...valeu!
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